PALESTRANTE: Thiago Hoshino
MEDIADORA: Francielli Morez
Relatório:
Francielli Morez
A liberdade religiosa encontra-se num patamar elevado de relevância porque somos animais racionais, uma vez que o ser humano é o único que transforma a ideia da própria morte pela religião. A condição comportamental para esta vida é uma suposta vida Futura. Portanto, Liberdade Religiosa é o mais humano de todos os direitos.
A liberdade religiosa tem diversas subdivisões:
1- liberdade de crença – no que você acredita, que deposita sua existência; é possível limitar as demais liberdades, mas não esta, posto que é de pensamento;
2- liberdade de culto – expressão externa, o modo como os rituais se externalizam; institucionaliza a religião, surgem as igrejas, os terreiros, as mesquitas, as sinagogas, etc., locais em que a liberdade de culto ocorre;
3- liberdade de não crer – ateísmo.
Desde a organização estatal de 1698, com o Estado-nação, a liberdade religiosa é anulada. Há uma separação que ignora a liberdade religiosa
Laicidade, secularização e liberdade religiosa são violáveis.
– Secularização é a separação máxima Cristã, nos termos da famosa frase: “dai a César o é de César”.
– Laicização diz respeito à neutralidade: (1) o Estado não adota essa religião, isso implica na falta de incentivo à liberdade religiosa; (2) o religioso faz parte esfera pública, tem seu espaço no privado, o Estado não age negativamente; (3) confluência, União entre Estado e liberdade religiosa. Apesar de o Brasil ser laico existe uma reminiscência desses laços pelas ciências religiosas – o legislativo e o judiciário possuem vertentes religiosas.
Problema de o Estado não se posicionar: desequilíbrio na representatividade das diferentes religiões.
Existe o Comitê Nacional da liberdade religiosa, que recebe denúncias pelo ‘disque 100’. Os dados de 2017 dados sendo compilados. A partir dos dados de 2016 obteve-se a informação de que foram feitas 759 denúncias de violação a liberdade religiosa – o que representa um aumento de 37% em relação a 2015. Dentre as denúncias, 19% relatavam que se referiam a religiões de origem africana.
Considerando que estamos num contexto libertário, em que há uma liberdade religiosa legal, os dados apontam para o fato de que essa liberdade não fornece subsídios necessários para a garantir sua efetivação.
Segundo a palestrante, em São Paulo os terreiros não conseguem isenção fiscal porque ela depende de uma licença para exercer suas atividades – que não obtêm devido ao envolvimento de animais em seus rituais. Desabafo: “como seus abatedores agissem de forma melhor com os animais!”.
Thiago Hoshino
As polêmicas de 2008 e 2009 sobre um dos dos objetivos do terceiro programa federal de Direitos Humanos: Retirar símbolos religiosos de estabelecimentos públicos. Nessa ocasião a Confederação Nacional de Bispos de Brasil (CNBB) e outras entidades de vocação religiosa insurgiram-se e esse objetivo foi suprimido.
Em 2012 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu retirar símbolos religiosos de todos os seus espaços públicos.
Em ambas as ocasiões existiram comentários como: “Teremos que tirar o Cristo do Rio de Janeiro!”.
Falta de compreensão de que um espaço público diz respeito a toda diversidade, inclusive religiosa.
É necessário começar sabendo sobre o que se se está falando.
Na própria jurisprudência pós Constituição as posições religiosas não são abordadas – existem recortes específicos, interferência de cunho religioso em decisões públicas (baseado em pesquisa jurisprudencial).
Práticas seculares aparecem mesmo em contextos religiosos, são modos de separação de poderes e existem mesmo na modernidade.
Modernidade ocidental – secularismo como doutrina política que prega essa separação entre Estado e religião de maneira muito marcada.
A Secularização é um processo de paulatina autonomia dos valores sociais relacionados à religião, está ligado ao desencantamento do mundo – teoria de Max Weber, quanto mais autônomo o Estado, mais desvinculado da religião, mais desencantado.
Esse desligamento serve parte das próprias religiões. Há uma racionalização da ação social e sua relação com a causalidade do comportamento social está ligada a esse desencantamento.
Essa doutrina política moderna da separação reflete-se na laicidade do Estado.
Dupla cláusula de barreira ou barreira de duas mãos – a razão estatal não deveria interferir na religião e consequentemente a religião não deveria determinar ações estatais.
Trecho de decisão judicial: “O estado é Simplesmente neutro”. Esse é um modo simplista de abordar o assunto.
A liberdade religiosa é o assunto menos destacado entre os juristas, não é discutido pelo Estado, ou seja, do qual ninguém fala. Por que a neutralidade é tão evidente assim?
O Código Penal, artigo CP 284, trata do curandeirismo. Não há uma discriminação?
TACnSP, RT 404/282 “No espiritismo os passes fazem parte do ritual, como as bênçãos dos padres católicos e não configuram o delito do artigo 284.
Este artigo, 284, é utilizado, principalmente, nas discussões sobre religiões afrodescendentes.
Segundo Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, em ‘Paradigmas Antropológicos na Mentalidade Jurisprudencial Brasileira sobre Magia e Religião’[1], o próprio sistema jurídico pode ser considerado como Mágica por que uma falha não abala a credibilidade no direito – existe uma eficácia simbólica. Direito e religião – embate entre dois rituais mágicos.
Entendimento do ministro Ayres Brito, não necessariamente compartilhado por todas as religiões, sobre fé.
A fé não deve interferir na ciência e a ciência na fé.
Quem estabelece a fronteira entre fé e ciência?
O conteúdo da vida e da dignidade da pessoa não pode ser lido sem a interpretação judaico-cristã própria da nossa tradição. Tradição é aquela que dá sentido intergeracional à liberdade. Não existe liberdade fora do contexto da tradição.
A liberdade, ao depender da tradição, está relacionada aos preconceitos.
A norma suprema estabelecida pelo Direito só reproduz a escala dos Anjos e Arcanjos da religião, portanto, o direito é derivado de ideias religiosas. Essa tradição estabelece a diferença região e magia.
O Deus do preâmbulo da Constituição parece não ser o mesmo para determinadas religiões. Ele é, inclusive, invocado contra religiões que não creem ‘nele’.
Os traços necessários para que uma religião tenha proteção constitucional são: possuir texto-base, estrutura hierárquica e um Deus.
Ciência e fé, público e privado, natureza e cultura – mesmo raciocínio do pensamento etnocêntrico moderno.
Secularismo e religião são co-constitutivos, contrapontos formais ingressam naquelas dicotomias acima mencionadas.
Qual o sentido do humano nos Direitos Humanos? Limites da sacralização do humano. Defesa de direitos Humanos para animais: qual o limite?
A tentativa de julgar se os rituais podem incluir sacrifícios animais está sob um olhar eurocêntrico. Religião é um conceito marcadamente ocidental que exclui matrizes africanas.
Necessário reconhecer que o direito nasce de uma violência originária e a decisão entre direito e religião não é pacífica.
Injusta valorização dos saberes pelo Estado, que deslegitima outros saberes.
Relação importante entre ciência e fé, público e privado, os sentidos da tradição e o sentido do humano dos Direitos Humanos.
As verdades nem sempre são históricas, tradicionais. A França revolucionária não estendeu seus lemas as suas colônias. Não necessariamente liberdade moderna pressupõe o afastamento entre liberdades religiosas e Estado.
Nenhum dos conceitos apresentados tem conteúdo fora de um contexto. A injustiça epistêmica se traveste em conceitos formais.
Placa na Serra do Mar: proibido prática de rituais religiosos.
Dever intergeracional nos discursos, mas os religiosos estão baseados na tradição, nos antepassados. Mau enquadramento da laicidade. Ativismo ateísta/ performance de omissão/ sentido de reequilíbrio, dependendo desses conceitos serão impostas justiças ou injustiças.
A laicidade precisa reconhecer a violência em que está fundada. A crença é sensorial, fundada nas experiências que situam pessoas no mundo. Um sentido forte de laicidade deveria prever que o mundo não é desencantado, que a magia permeia a interpretação do mundo.
Nem sempre é possível chegar a um consenso, como na sociedade de Habermas.
Valores religiosos podem ser convertidos a grupos de interesse, mas o problema está na assimetria de representação das religiões, assim como nos discursos de ódio como meio de autoafirmação. Religião é um mercado onde concorrem os grupos, é preciso regulamentação, inclusive sobre o limite do discurso de ódio.
Há a necessidade de o Estado sair da comodidade da neutralidade formal.
Religiosidade e etnicidade estão amplamente relacionadas aos discursos de modos de vida, não de religião.
Para o palestrante, o ministro Barroso tomou uma terrível decisão acerca do ensino confessional, como se as religiões pudessem competir entre si. Difícil construir campo tão pacífico para a paz que também é um conceito diferente em cada religião.
“Se abrirmos mão do mundo encantado, como será possível construir uma sociedade democrática?”.
[1] Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/20-encontro-anual-da-anpocs/gt-19/gt03-5/5338-apschritzmeyer-paradigmas/file Acesso em 12 mai 2018